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segunda-feira, 28 de junho de 2010

'Tradilizada'




Por Leandro Santolli
Foto: Clotilde Tavares

A transformação das quadrilhas juninas tradicionais em direção a quadrilhas estilizadas revela uma faceta do debate sobre a globalização: o ressurgimento de culturas com bases locais ao invés da tão propagada padronização cultural. Mais do que isso, são manifestações culturais contemporâneas (re)significadas para atender as demandas de consumo da sociedade midiatizada onde se misturam as experiências tradicionais e modernas, chamando a atenção para sua beleza mas também por sua sua origem na periferia da cidade, próxima às experiências dos excluídos, dos mais marginalizados pela sociedade.

Nestes dias de 'período junino' fui convidado a integrar o corpo de jurados da fase classificatória do Concurso do Centro de Criatividade, um concurso tradicional que a 25 anos recebe em torno de 50 a 60. A minha observação se voltou para a forma de apresentação destas, que se exibiam para os demais jurados, e para as movimentações dos seus brincantes, do pessoal de apoio, dos familiares e das torcidas antes das apresentações.

Na concentração a ansiedade aumenta quando se aproxima a hora da exibição do grupo, uns soltam gritos de guerra, outros pedem proteção ao seu santo de devoção, repassam a coreografia e tudo sob os olhares dos familiares, amigos e torcedores. São jovens entre 16 e 35 anos, e que com muito sacrifício e contra todas as diversidades organizam, cada qual, o seu espetáculo. Cada quadrilha tem o seu enredo, a sua alegoria e a sua coreografia.

Mas por que tanto alarme e aversão quando se trata de quadrilha tradicional e estilizada ? É por que foge ao estilo considerado tradicional? Por que os seus figurinos e adereços não representam o matuto flagelado, ou o sertanejo típico Jeca Tatu? Ou ainda por que não é marcada em francês tupiniquim? A sociedade humana tece a sua cultura através dos mundos de experiências vividas em momentos históricos diferentes e de natureza paradoxal, justamente porque nada é igual no tempo e no espaço onde se manifestam as suas culturas, nem mesmo com a globalização isso é possível. Portanto, com a globalização cultural o que assistimos é o ressurgimento de culturas com bases locais ao invés da tão propagada padronização cultural. É evidente que são manifestações culturais contemporâneas (re)significadas para atender as demandas de consumo da sociedade midiatizada onde se misturam as experiências tradicionais e modernas.

Vejo nas “quadrilhas estilizadas”, ou mesmo nessas manifestações culturais o início de um novo gênero misto de dança e folguedo, tradicional e moderno, com grande potencial de comunicação desses jovens com o mundo de fora. A quadrilha campeã receberá o prêmio de R$ 2.000,00 e logo ali pertinho, no palco principal do Forró Caju se apresentam as bandas que, com certeza, receberam polpudos cachês. As quadrilhas gastam em torno de R$10.000,00 a R$ 40.000,00. São esses tratamentos desiguais entre os produtores das culturas tradicionais e os produtores das culturas midiáticas que precisam ser revistos, não só pelo poder público, mas pela sociedade como um todo. Não podemos continuar olhando meio atravessado as quadrilhas juninas contemporâneas, e sim tentar compreender as significações das redes cotidianas de sociabilidades desenvolvidas por esses grupos culturais nas suas comunidades e nos palcos de exibições.

É possivel perceber ainda  as quadrilhas estilizadas ou as tradicionais, nos festejos juninos atuais, como estratégia de inclusão social desses jovens que lutam o ano inteiro para organizar o espetáculo. É, sem dúvida, um novo formato de “grito” também da periferia para o centro, como se falassem para todos nós: “gente, estamos aqui!” Portanto, esses grupos de jovens deveriam receber maior apoio do poder público e privado, promotores do Maior São João do Mundo.

sábado, 8 de maio de 2010

Galeria Álvaro Santos recebe exposição fotográfica


Na próxima quinta, 13, às 20h, na Galeria de Artes Álvaro Santos será realizada a abertura da exposição ‘Pelas Ruas de Havana’, do fotógrafo José Aquino. São 40 fotografias que retratam as peculiaridades da capital cubana. A mostra fica em cartaz até o dia 25, pode ser visitada de segunda a sexta das 8h às 18h e aos sábados das 8h às 12h.

Sobre o fotógrafo

José Aquino, 49 anos, é amante da fotografia desde criança. Começou a fotografar em 1994, quando participou de um curso no Senac. Em 2001 organizou sua primeira exposição individual ‘Retratos Alternativos’, seguida de ‘Meninos’ (2001), ‘Velho Chico’ (2002); ‘Caboclinhos e Lambe-Sujos’ (2004); ‘Vidas do Barro’ (2007) e ainda “A imagem da Sintonia Humana” (2009).

Desde 2009 ministra o Curso Compacto de Fotografia Digital, passando adiante seu conhecimento na área. Os alunos dos cursos já participaram de três exposições: ‘Crepúsculos’ (2008), ‘Em busca de Abrigo’ e ‘Sentimentos’(2009). Aos interessados em participar dos curso uma nova turma está sendo formada, com início no dia 22 de maio. Maiores informações no site do fotógrafo: www.joseaquino.com.br.

quinta-feira, 6 de maio de 2010

‘Perfume’ entra em cartaz no Lourival Batista


Nos dias 6, 13 e 28 de maio estará em cartaz no Teatro Lourival Batista o espetáculo ‘Perfume’, montagem da Companhia de Dança Espaço Liso. As apresentações iniciam às 20h30. Os ingressos podem ser adquiridos por R$ 15,00 (inteira) e R$7,00 (meia).

Baseado na estética da dança contemporânea, com alguns elementos teatrais , “Perfume" tem sua concepção na conflituosa relação entre amores e lembranças, que vêm à tona em fluxos da memória ativados pelas fragrâncias. O espetáculo é provocativo, apresenta sensualidade e lirismo através das linguagens do audiovisual, da música, do teatro e da literatura. Durante o espetáculo a platéia poderá sentir diferentes aromas, ativando as lembranças individuais evocadas pelo olfato. 

Elenco: André Bonfim, Raquel Leão, Dayanne Alves, Fernanda Matos , Luanda Ribeiro, Amelhinha Sá e Ewertton Nunes.
Músicos: Everson Vimes, Reginaldo Pereira, Tontoy.
Direção Musical: Tontoy
Músicas: Everson Vimes e Ewertton Nunes
Direção coreográfica: Ana São José
Concepção, Coreografia e Direção Geral: Ewertton Nunes
Trilha Sonora: UBANDU
Músicos: Everson Vimes, Reginaldo Pereira,Ângelo Litlle, Léo Silva e Tontoy
Participação especial: Héloa Rocha

quarta-feira, 5 de maio de 2010

Vencendo a invisibilidade


Por Maíra Magno*

A respeito do cochicho e desconforto que o blog [Síncope] vem causando entre a classe dos bailarinos de Aracaju, gostaria de lembrar a meus colegas alguns fatos:

Na verdade é a primeira vez que temos um material escrito dedicado à crítica de nossos espetáculos, é a primeira vez em quatro edições da semana de dança e em décadas de existência das Danças Cênicas em Aracaju que alguém perde seu tempo, deliberadamente para escrever algumas linhas comentando nossos trabalhos, tivemos a matéria escrita por Natália Vasconcelos no jornal da UFS no ano passado, mas esta se dedicava mais a cena de dança na cidade que aos espetáculos  em si.

Isso significa que: 'Amém, Aleluia, Glória Deus', não somos mais invisíveis. Afirmamos tantas vezes o ser, no próprio encontro dos artistas de dança de Aracaju essa expressão foi dita várias vezes por vários colegas. Produzimos e nossas produções morrem na estréia, os espetáculos não reverberam, ninguém comenta só sobrevivem na memória daqueles poucos que o produziram ou que de alguma forma se emocionaram com este.

Como era a cena da dança em Sergipe na década de 80? Quem lembra? Onde vamos pesquisar? Quem escreveu uma linha sobre a produção dos grupos? Onde está esta memória? Como podemos saber qual foi a impressão do público sobre esta produção? Como poderemos contar esta história?Quando surgirem outras Carolinas Naturesas que quixotescamente tentarem recriar a historia da produção de dança cênica em Aracaju a partir de 2010, já temos algo escrito e publicado, 'AMÉM' entramos para a história!

Faço minha monografia sobre um pintor sergipano, a única coisa que encontrei escrita sobre o mesmo foi um parágrafo no site da Sociedade Semear. A partir desse parágrafo tracei as diretrizes de meu trabalho, imagina se eu tivesse que deduzir o que escrever sobre o cidadão se não existisse um único ponto de referência?

Gente, acordem, estamos reverberando, a IV Semana de Dança foi um sucesso tão grande que rendeu críticas, que duas pessoas que nem sequer dançam, perderam seus preciosos tempos para se debruçar á critica de alguns dos trabalhos. Como foram as outras edições da Semana de dança? Onde eu posso pesquisar? Há algo escrito? Foi bom? Foi mal? Onde encontro esse material? NADA! NENHUMA PALAVRA, até então éramos invisíveis, e agora?  Agora saímos na chuva e nos molhamos! Podemos escorregar, cair, gripar ou simplesmente tomar banho de chuva que é MUITO BOM! Só não da pra querer sair sequinho de um temporal.

Tocando em outra questão, lembram o que significa vanguarda? Vem do francês Avant Gard, ou seja, são aqueles que estão à frente da guarda, aqueles que quando forem para o front serão os primeiros a serem feridos e alvejados. As pedras atingirão primeiro neles. Quem são os vanguardistas? Os mais corajosos!

A história da arte foi feita por pessoas que ousaram desagradar, quando Nijinsk dançou “Sagração da Primavera” e “Prelúdio de um Fauno”, foi vaiado ferozmente, os críticos escreveram atrocidades sobre a obra, e o que a história nos diz?  Depois dessas obras o balé já não era mais clássico, algo tinha mudado, a história já havia sido feita, e por quê?  Porque incomodou ao ponto de escreverem não duas, mas várias linhas sobre o seu trabalho, porque o trabalho reverberou e ate hoje em 2010 é impossível estudar a historia da dança sem passar por essas obras que tanto incomodaram que foram devastadas pelos críticos.

Onde podemos pesquisar sobre a reação que esses trabalhos causaram ao público? No que foi escrito pelos críticos. Eram todos qualificados? Quem sabe! Mas é por causa deles que podemos traçar uma parte da história, agora imagina só se ninguém tivesse escrito nada? Um marco da historia da dança teria passado absolutamente despercebido. É assim em toda a historia da arte, pra mudar é necessário incomodar, e se ninguém falar nada, bem ou mal, nos manteremos na invisibilidade. E por isso eu clamo: Falem mal, mas falem de mim!

* Maíra Magno é bailarina,professora de Danças Árabes e uma das organizadoras da IV Semana Sergipana de Dança.

terça-feira, 4 de maio de 2010

'Perfumático'



Por Leandro Santolli
Foto : Divulgação


Sabiamente um antigo comercial de TV dizia que a rotina do perfume é a lembrança; exatamente desta forma apresenta-se “Perfume” da Espaço Liso Companhia de Dança, com direção, concepção e coreografia de Ewerton Nunes. O espetáculo apresenta as relações amorosas através de movimentos cotidianos, com a interação das diferentes formas de arte. Questiona a prisão imposta pelo desejo e como as relações vão se desgastando com o tempo e se tornam um disfarce para uma desordem maior.

Aparentemente o espetáculo tenta abordar de maneira objetiva e direta o vazio dos relacionamentos e o quanto estes estão ligeiramente ligados ao perfume das lembranças, analisando o que isto provoca nos indivíduos positiva e negativamente, inclusive passando a sensação da desordem gerada pela falta generalizada de tempo para escutarmos uns aos outros, para aproximarmos nossas diferenças e as colocarmos em questão.

O espetáculo inicia com os bailarinos dispersos e imóveis no palco, criando uma áurea de tensão, que se desenrola posteriormente ao som da canção entoada pelo diretor artístico da  montagem sob os acordes de um violão. A presença cênica é embalada por um incipiente tecnica vocal, que com um pouco mais de treino pode ser resolvida.

O figurino que utiliza peças de uso cotidiano foi a escolha da companhia para o espetáculo. As trocas de roupa em cena já se tornaram característicos de suas  montagens, bem como a utilização  do vermelho e do branco, utilizadas na produção anterior: 'Laços'. Outra peculiaridade da Espaço Liso é uso de projeções , que em 'Laços' dialogava com o espetáculo, mas em Perfume  não, principalmente porque não é bem produzido, então não faria falta ao espetáculo . Os adereços cênicos são muito bem utilizados, toalha, violão, arara, poltrona, tudo se completa ao que é proposto.

O elenco de ‘Perfume’ não deixa a desejar, rico em qualidade técnica e bom entendimento do seu papel no contexto da narrativa, executam os movimentos coreográficos com segurança e naturalidade. As canções da trilha foram, ou parecem ter sido, compostas especialmente para o espetáculo, letras sábias, melodias bonitas, porém a união desta trilha com as coreografias sem exagero algum nos remete aos vídeos-clip da banda Feist ou Beirut, boas lembranças sem cheiro de perfume algum.

A  escolha da participação de “UBANDO” foi uma aquisição ousada , não cabe afirmar se inteligente ou não. Héloa (vocal) tem todos os méritos de uma artista em crescente crescimento, mas destoava do grupo, talvez por nervosismo, por insegurança. A junção destas diversas linguagens ainda é confusa por parte do publico, mas aveitável já que foi a forma mais ousada e usada pelo coreógrafo.

'Perfume'  mostra ainda os mais variados tipos de relacionamentos e seus conflitos, sejá de forma hétero ou homoerótica. Não podemos dizer que é algo relativamente novo, mas se ver as nádegas de um bailarino choca parte do publico, imagine-se que além do nú, temos um beijo gay, num dos pontos mais altos e mais bonitos do espetáculo, incomodando a alguns e enchendo os olhos de outros.

'Perfume' é o espetáculo da boa contradição: simples porém rico, exagerado entretanto íntimo, bem escrito e planejado, faz jus a expectativa gerada em torno de seu desenvolvimento.

segunda-feira, 3 de maio de 2010

Espetáculo do entretenimento.


Por Leandro Santolli
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Está aí um gênero das artes cênicas que hoje em dia me causa certo espanto, pois sem nenhuma tradição em nossos palcos, pois passa longe do que foi o Teatro de Revista e, somente a custa de remontagens de espetáculos consagrados da “broadway”, o Teatro Musical vem ganhando a simpatia tanto da mídia, quanto da crítica. Da até a impressão de que esse gênero é algo superior à arte do teatro.

É claro que reconheço a complexidade e a dificuldade de se montar um espetáculo musical, pois reunir artistas que possuam potencial para cantar, dançar e ainda interpretar não é nada fácil. Encontrar alguém que só interprete já anda tão difícil! Sem contar que montar um espetáculo desse gênero não é para qualquer um. É coisa para peixe grande.

São espetáculos caros, que precisam de grandes patrocinadores, grandes cotas de incentivos, é muito dinheiro em jogo. Talvez esteja aí a razão de tanta popularidade de um gênero que ganhou notoriedade nos palcos de Nova York. O teatro musical feito hoje no Brasil, aliás, importado pelo Brasil é muito mais uma questão de negócio, do que uma questão de teatro.

Sem contar que os espetáculos desse gênero são elitistas, pois não é qualquer um que pode desembolsar a exorbitante quantia para pagar os seus ingressos. A mídia o tem sempre como a melhor opção de entretenimento entre todos os espetáculos teatrais em cartaz e o povo, ora, o povo!…

Se o teatro infantil é o patinho feio das artes cênicas, o teatro musical vem ganhando ares de filho perfeito. Como espetáculo, não há o que questionar. As trilhas são bem cuidadas, os figurinos, lindíssimos, os cenários, monstruosos, tudo para encantar os olhos do público. Pena que é tudo importado e sempre muito caro.

Longe de mim, desmerecer o gênero musical, o acho até bem interessante, quando levamos em conta a questão da formação do ator. Cantar, dançar, interpretar é tudo que um bom ator precisa aprender. Quisera todo ator ter a oportunidade de desfrutar da prática de tamanho exercício artístico. Quisera todo o povo ter a oportunidade de desfrutar do glamour de assistir a um espetáculo musical.

Esse Teatro musical pode até encantar os olhos, pode até conter elementos da arte do teatro, mas sempre será um gênero das artes cênicas, a arte do Teatro será sempre maior, mesmo que a mídia teime em vender um espetáculo musical como Teatro. Teatro é Sófocles, Eurípidis, Shakespeare, Nelson Rodrigues. Teatro musical é apenas um espetáculo de entretenimento.

Coletivo Insanidade


Por Leandro Santolli
Foto : Arquivo Leilinha Nascimento

Ultimamente a construção de espetáculos que usam o transtorno psiquiátrico como mote tem crescido assustadoramente, bem como os que falam de nordestino e afins, deste modo ou a Cia. sai do denominador comum ou tende a ser repetitivo e chulamente falando chato.

A Cia. Contempodança é ousada e abusada em seu espetáculo ‘Casulo’ que tem  a direção de Leilinha Nascimento  e nos remete a este universo inconsciente fruto de pesquisa e laboratório com o elenco,  onde praticamente inexistem coreografias, as que existem são executadas com tamanha técnica ou beleza, diante do contexto geral dançar ou não passa plenamente despercebido,  também não seria interessante caracterizar como teatro, mesmo vendo o elenco atuar e convencer em seus transtornos mentais.

Não necessariamente deve existir música e nem coreografia para se dançar, a Cia. Parte deste principio e lança ao publico um mix de experimentações que causam inquietudes e perturbações, mostrando com clareza o conceito do espetáculo, explorando a alienação mental e aproximando os  espectadores de um mundo visto por um outro olhar, um outro raciocínio lógico e outras relações afetivas.

O cenário composto pelas conchas acústica do TTB foi uma das grandes sacadas, bem como o uso do tecido acrobático compondo o espetáculo. A trilha assinada por Ton Toy cabe em cheio, e o próprio se faz entender como parte do processo criativo da Cia, a música é executada ao vivo, os mais variados sons dos instrumentos mais inesperados, o chão do procênio talvez seja o melhor exemplo disto, Sulanca também é uma acertada opção na composição da trilha, não poderia ser mais inteligente.

Sérgio Robson assina a iluminação e a direção artística e o faz com grandiosidade, sem grandes efeitos, sem grandes novidades, porque talvez nem coubesse, ainda assim é muito bem elaborada e rica, agrega o espetáculo e não é insano.

Se a finalidade do espetáculo era a de impressionar, o fez com grandeza, envolveu o publico, gerou opiniões controversas, causou frisson, gerou desconforto e agradou a muitos, ainda é possível notar que o nu em cena choca parte do publico sergipano, porém se formos ponderar o mesmo, ver as nádegas de um bailarino no teatro e ver as dançarinas de bandas de forró desta cidade em suas coreografias vulgares é só uma questão de ótica,  então qual o motivo de tanto alarde ?

‘Casulo’ é daqueles espetáculos que vale a pena assistir, principalmente por que nunca irá existir uma opinião formada sobre o que é apresentado, e se existir nunca será a mesma.

domingo, 2 de maio de 2010

Aula Show ?


Por Leandro Santolli
Foto : Arquivo Maíra Magno

Corpos sarados, penduricalhos brilhantes, sensualidade  e ousadia. Poderíamos entender que estes são ingredientes indispensáveis a um espetáculo de dança árabe, todavia tratando-se do comando de Maíra Magno estes ingredientes dão lugar a riqueza cultural de uma outra nação, com  moças vestidas literalmente dos pés a cabeça, com um toque se sensualidade sem parcela alguma de vulgaridade.

Raks el Shaabi - A Dança do Povo, resgata as danças folclóricas típicas de diversas regiões de cultura árabes, que nasceram no seio das manifestações sociais e culturais daquele povo.  O espetáculo tem um formato simples e de fácil entendimento, não defende um conceito, apenas instrui. Seria então uma aula de história? Pode ser visto desta forma, e não seria ofensa por assim dizer, uma vez que antecedendo cada coreografia é exibido um vídeo com informações sobre a dança folclórica que vem a seguir, tornando-o explicativo demais, mas longe de passar uma mensagem de que o público é leigo, mesmo sendo.

A companhia dirigida por Maíra Magno insiste em espetáculos que trazem o mote folclórico, e o fazem de maneira simples, objetiva e bonita. As bailarinas demonstram estar bem ensaiadas e seguras, e  por mais que a coreografia não seja executada da melhor maneira,  o fazem com maestria. Coreografias bem elaboradas e que de fato evidencia a cultura do povo árabe.

Existe riqueza nos detalhes de cada cena exibida, seja nos artesanatos que compõe o aparato cênico, seja nos sete cenários que se intercalam.  A direção artística não deixa a desejar em nada, não há ausência. Os figurinos são em sua totalidade bonitos e com bastante presença cênica, muito bem pensado, elaborado e executado. As bailarinas vestem-se por completo de cultura e riqueza folclórica.

Maíra Magno é a personificação da beleza quando está no palco. Quaisquer elogios seriam redundantes quando tratamos da maior e melhor bailarina de cultura árabe no estado. Só ela consegue prender o publico em suas coreografias com trilhas que chegam a 8 minutos de duração, já que estes são aproveitados ao extremo com sua técnica e sensualidade.

Não é fácil a construção de um espetáculo sobre a cultura árabe, e em Sergipe  ainda pior  por conta da falta de interesse das pessoas em conhecer , em apreciar , em entender, e isto não é pedir demais. Mas outras barreiras ainda podem ser apontadas como fator ponderante para a rejeição de parte do publico como o idioma árabe e a falta de  noção  geográfica e histórica do Oriente Médio. Contudo ‘Raks el Shaabi’ para os que entendem , gostam ou pelo menos tentam apreciar,exibe a importância do resgate cultural e o quanto é satisfatório em  pleno século 21 ainda assistir bailarinas dançando com passos milenares de épocas Bíblicas.

A aula show com direção de Maíra Magno é uma tentativa acertada de passar este conhecimento adiante, e não há nada de mais belo que ver um senhorzinho árabe chorar de saudade de sua terra e de seus antepassados (como eu vi acontecer)

sábado, 1 de maio de 2010

A poesia do encontro


Por Leandro Santolli
Foto : Lúcio Telles

A delicadeza do desabrochar de uma rosa, unido a sutileza de movimentos coreografados e a beleza ora singular , ora pluralista , é desta forma que  desponta no cenário de dança sergipano o Grupo de Dança Rosa Negra.

Em seu espetáculo de estréia as bailarinas dão vazão aos sentimentos mais poéticos, criando uma atmosfera de cumplicidade entre as artistas e o publico, firmes e seguras elas sustentam o sua produção de maneira ímpar, levando os expectadores a uma reflexão do conceito de humanidade pautado na beleza simplória das coisas e na substituição da fala pelo gesto, este por sua vez vem substituir o homem máquina moldado pela velocidade resultante do desenvolvimento das tecnologias de transporte e dos meios de comunicação  pelo homem imerso em afeição e doçura, portanto é bem verdade quando o autor da canção diz “ que bobagem, as rosas não falam, simplesmente as rosas exalam...”

Carolina Naturesa, Gabriela Carvalho, Izabella Santos e Renata Carvalho fazem de seu corpo poesia , a poesia do encontro entre  acúmen e benevolência e  adentram no terreno controverso e escorregadio sobre as possibilidades de reconstruir e reinventar identidades transitórias no corpo, mas o fazem de maneira plausível e objetiva.

‘Gesto’ marca o início de uma grande jornada para estas mulheres que desabrocharam no palco e que numa sutil metáfora irão transformar os aplausos em entusiasmo criador. As rosas agora são corpos dilatados pelo silencio , mas neste caso trata-se de um lugar de enfrentamentos capaz de gerar resistência e aprendizagem

quinta-feira, 29 de abril de 2010

Lata d'água na cabeça

Por Leandro Santolli

Retratar a vida das carregadoras de água do rio é mote do espetáculo ‘Estandarte’ da Cia. DançArt de Sergipe. A priori espera-se um espetáculo que retrate a luta dessas mulheres em suas comunidades e afins, que explore seu gestual, cantos, etc. Mas a falta de clareza na construção do espetáculo impossibilita este entendimento.

O espetáculo começa visualmente muito bem, com a diversidade de perfis femininos retratados no palco, as lavadeiras, a carregadora de água, a religiosa e por que não dizer “santa”. As bailarinas sentem e transmitem estes personagens com muita inteligência nos dando a idéia de um espetáculo com bastante potencial, principalmente por conta da trilha que dialoga com a idéia exposta. Porém talvez por falta de direcionamento o espetáculo cai num marasmo, e isto se deve inclusive pela falta de atenção aos detalhes e o quanto estes fazem a diferença no palco.

Coreograficamente não é rico, por hora falta um entendimento dos bailarinos, principalmente por que na tentativa de muito representar, a canastrice vem à tona. Falta um direcionamento artístico. O elenco tem bastante presença cênica, mas não convence em suas ações, não podemos culpá-los por isso, e é claro que uma direção, um olhar crítico de fora do grupo faria bastante diferença.

O figurino assinado pelo Atelier Mundo da Lua é bonito, mas bem longe disto lavadeiras não usariam roupas tão brancas, poderia passar despercebido mas estamos tratando de um conceito definido e defendido pela Cia em sua pesquisa. Na segunda parte do espetáculo a saia branca é trocada por outra nas tonalidades de dourado e vermelho, nos fazendo desacreditar ainda mais no que está sendo proposto.

O desenho do figurino não é ruim, mas não cabe a proposta de “encenação”. Assim também é o macacão collant pérola usado pelo bailarino, fugindo e destoando completamente de todo o grupo e é muito difícil encontrar um significado coerente para o mesmo.

O cenário é simples, com tecidos de chita, o uso ou não do mesmo teria o mesmo efeito, e os adereços de cena poderiam também fazer jus ao que é proposto, afinal lavadeiras lavam roupas, não somente tecidos. Além das latas, supostamente d’água, estarem leves ao extremo. Claro que isto embeleza a cena, mas se existe uma pesquisa por traz, automaticamente tudo deve ser pensado e questionado.

A trilha poderia ser bem mais estudada, e não é difícil criar uma trilha para um espetáculo com esta concepção. Mônica Salmaso, Denize Aragão, Léo Moraes, Elza Soares, Radamés Gantalli, Victor Assis Brasil compõe a escolha da Cia. Por vezes acertam na escolha, mas o uso de muitas músicas de MPB como Maria Rita faz com que o espetáculo caia no tédio, talvez músicas certas para o conceito de espetáculo errado.

O que dizer de Fascinação para uma cena de lavadeiras? Difícil encontrar algum sentido, mas por sorte Elza Soares nos salva deste momento. Se Renata Rosa estivesse na trilha, ou até mesmo as cantoras da Mussuca de Laranjeiras, certamente esta seria bem mais rica, mas vale ressaltar que o fade de uma canção para outra foi muito bem editado, imperceptível até.

A iluminação do espetáculo assinada por Henrique é na sua totalidade muito boa, é o que o espetáculo tem de melhor, e ganha muito por isto, é notório que o iluminador entendeu o mote do trabalho e executou de maneira formidável.

O ponto mais alto do espetáculo é a cena final, as lavadeiras entoando seus cânticos enriquecem o trabalho, e a presença cênica dos bailarinos vem à tona. O final do espetáculo de fato emociona e convence, é muito estruturado e inteligente, fica nítido que o tal estandarte é a lata d’água. O complicado é entender se o estandarte neste caso está associado a um troféu que poderia ser exibido com orgulho.

Entre o aceno e o aperto de mão


Por Michel Oliveira (texto e fotos)

Um figurino que utiliza uma tonalidade próxima a da pele simula uma espécie de nudez. Assim quem está na platéia faz suas primeiras leituras: espera algo tátil, um contato mais próximo, uma sensação de intimidade. Essa foi a estratégia utilizada pelo Grupo Rosa Negra na montagem do espetáculo ‘Gesto’, apresentado na VI Semana Sergipana de Dança.

O vestido cor de pele é bem resolvido, fluido, não atrapalha os movimentos. Mas não é apenas o figurino que compõe um espetáculo. O cenário é um dos elementos que mais chamam a atenção. É bastante simples: estruturas de madeira sustentam cortinas da mesma cor das roupas, a disposição desses elementos no palco é acertada. Para quebrar a monotonia do bege, outras três armações semelhantes são trazidas a cena durante a apresentação, só que sustentando cortinas coloridas. Contas plásticas e correntes de metal descem em cascata pelos suportes, acrescentando brilho ao cenário.

O resultado é interessante: cortinas atrás da grande cortina do palco. Seria metalinguagem ou insinuação da proposta mimética da apresentação? O cenário é utilizado na coreografia, não é um elemento estático, afinal estamos falando de dança não é mesmo?

Essas cortinas estão bem distribuídas no palco, a diagonal formada por elas, em uma das partes da apresentação, é bem executada. Mas poderiam ter sido utilizadas de forma mais criativa, utilizando a semi-transparência do tecido para criar um clima menos explícito, já que a luz não era pontual.


Mas o que poderia ter sido bem amarrado se perde muito devido à trilha sonora. A edição deixou lacunas, há momento “em branco”, que prejudicam a coreografia. Não há uma gradação, as músicas passam como um cd de retalhos. Não há unidade. O fato de algumas músicas serem cantadas prejudica ainda mais, uma vez que a proposta era ressaltar o gesto. A fala, ainda que em outro idioma, chama mais a atenção que o movimento. Não é fácil expressar conceitos através de uma coreografia, então, tudo que possa desviar a atenção do foco principal deve ser evitado. Talvez essa deficiência sonora tenha prejudicado a sincronia de  alguns movimentos.

Apesar desse problema com a trilha, a coreografia tem momentos bons, que mostram a capacidade técnica e o preparo das bailarinas: giros bem executados, utilização de novos eixos de sustentação para o corpo e a variação dos movimentos, inclusive com mudanças de direção.

‘Gesto’ tem momentos, e elementos de destaque, mas ainda é necessário ajustes. O nome do espetáculo está de certa forma descolado, uma vez que não há uma representação mímica. O gesto evoca uma encenação, uma representação mais teatral. É difícil apreender o conceito utilizado para montagem, horas confuso como um aceno, horas firme como um aperto de mão.

quinta-feira, 22 de abril de 2010

IV Semana de Dança reúne produções locais

Entre os dias 27 de abril e 2 de maio, o Teatro Tobias Barreto recebe a IV Semana Sergipana de Dança. O evento em comemoração ao mês da dança e ao Dia Internacional da Dança, 29, reúne grupos dos mais variados estilos, divulgando as produções existentes no estado. A entrada é gratuita.

Confira a programação:

27/04 (terça)
19h - Conferência de abertura:
Profª Lú Spinelli (Studium Danças) – Dança Moderna X Dança Contemporânea
Profª Ms. Ana São José (Universidade Federal de Sergipe) – Um estudo sobre o Corpo na Dança
Profª Dorinha Teixeira (Academia Sergipana de Ballet) – Explanação sobre sua trajetória em dança
21h30 - (Palco) Espetáculo A Arte do Movimento - Nelson Santos Cia de Dança

28/04 (quarta)
19h30 - (Foyer) Michele Pereira – “Dança Afro”
20h - (Palco) Espetáculo Reverso - Cubos Cia de Dança
21h - (Palco) Espetáculo Gesto - Rosa Negra Grupo de Dança

29/04 (quinta)
19h30 - (Foyer) Janaína Veloso “TAP Dance – Sapateado” e Claudia Maia “Dança de Salão”
20h - (Palco) Espetáculo Estandarte da Vida - Cia DançAr’t
21h - (Palco) Espetáculo Emoções - Entre nós Cia de Dança

30/04 (sexta)
19h30 - (Foyer) Rejane Cruz - “Dança Flamenca”
20h - (Palco) Espetáculo Terra - Juventus Cia de Dança
21h - (Palco) Espetáculo Faces - Grupos Irmãos de Rua e Ara Dance

01/05 (sábado)
19h30 - (Entrada TTB) - Julieta Menezes – Performance “Corpo”
20h - (Palco) - Espetáculo Raks el Shaabi - A Dança do Povo - Cia de Danças Maíra Magno
21h - (Palco) - Espetáculo Casulo - Cia Contempodança

02/05 (domingo)
19h - (Foyer) - César Leite - Performance “A Mulher Peixão”
20h - (Palco) - Espetáculo D’Vida - Catarse Grupo de Dança
21h - (Palco) - Espetáculo Perfume - Espaço Liso Cia de Dança

terça-feira, 20 de abril de 2010

Cinco "meninos"


Por Leadro Santolli
Foto: Arquivo da Cubos

A aparência infantil esconde a grandiosidade profissional que os “meninos” da Cubos levam consigo. Mais do que sua maneira de dançar eles fizeram de seu espetáculo ‘Cubos ao cubo’ um verdadeiro manifesto, inventando uma estética única, especial, na qual estar ou não na “moda” não faz a menor diferença.

É notória a sede que a companhia tem de imaginar e trazer o novo. É a diversidade popular brasileira. É um delírio visto como poesia, a estética como expressão. Mas para além do espetáculo o que mais encanta é a coletividade, a consciência de grupo e a dedicação a arte a que os “meninos” se propõem. Suas manifestações e críticas sociais estão disfarçadamente escondidas em seus espetáculos e cabe somente ao publico entender a simbologia usada e assim fazer sua reflexão pessoal.

A Cubos nos presenteia sempre com uma arte fora do obvio e de grande fascínio. No processo de trabalho fiquei extasiado após nossa primeira conversa margeada por tantos ensinamentos e discursos, o que pude constatar também numa oficina pós-espetáculo onde foram mostrados os processos de criação, por sua vez tão portentosos, imensos, construídos logo por cinco “meninos”.

Comovi-me por entender que estava diante de inventores artísticos que muito farão e que tem uma história fantástica a ser contada. Vejo revistas e críticos cobrando que se faça coisa nova, e  de fato os artistas em Sergipe têm procurado fazê-las. O problema é que quando eles chegam com estas novas os veículos de comunicação dizem que não é o “perfil”. Talvez a comunicação é que precise estar mais adaptada ao que é novidade, e isso fica bem claro quando vemos a batalha da Cubos e de tantas outras companhias espalhadas pelo estado a procura de espaço.

Em dado momento de nossa conversa, nos 45 minutos que antecediam o espetáculo ‘Reverso’, pude registrar a preocupação que um tem com o outro, isto inclui os técnicos e as pessoas envolvidas no trabalho, a exemplo de Altair Santo, figurinista do espetáculo, que compartilhava conosco desta troca de experiências. 

Talvez este seja o principal alicerce da Cubos: “respeito, respeito e respeito”, principalmente porque no âmbito de artes o que mais se tem crescido é o ego, ao contrário do profissionalismo. Repetidas vezes me veio à memória o célebre ensinamento de Stanislavski: “ame a arte em você e não você na arte”.

Depois da maratona de espetáculos e da oficina, a vontade que se tem é de abraçá-los  e parabenizá-los. Mas diferente disto meu desejo maior, e assim o fiz, foi agradecer pela riqueza de informações, pela ousadia na arte, pela dedicação e principalmente por me fazer entender mais uma vez que estes cinco “meninos” são, sem dúvida alguma, um dos maiores representantes da dança neste estado.

A Cubos é uma usina de criação que nunca para e, com os sentidos fervendo, nos levam aos caminhos de uma arte inteligente. Seu maior ensinamento é o valor do trabalho coletivo. Isabele, Júlia, July Ellen, Rodolpho e Viviane: cinco “meninos" que vivem da invenção. A bacia, o apito, a varinha de condão, o vestido, a máscara. Tudo, em suas mãos, é matéria-prima, de susto e beleza.

domingo, 18 de abril de 2010

Direito ou avesso?


Por Michel Oliveira
Foto: Fábio Pamplona

Não se pode dizer que a Cubos Companhia de Dança amadureceu com o espetáculo ‘Reverso’. A companhia já estava madura desde as montagens anteriores. Os cinco bailarinos se multiplicam no espetáculo ‘Multipleto’. O figurino é etéreo, leve. A trilha é cativante e a variedade dos movimentos mostra o preparo de Rodolpho Sandes, Isabele Ribeiro, Julia Delmondes, July Ellen Lázaro e Viviane Gonzaga. E se a companhia é formada por cubos encontraram um excelente encaixe, a sintonia é nítida.

Mas em ‘Reverso’ a história é outra. Procura nuances que muitas vezes passam despercebidas, apesar de serem explícitas. São as lavadeiras no rio, o assuar de nariz, a ‘sibiteza’ e a ‘munganga’. A vida e a morte em contínua coreografia. Um Nordeste de dramas e alegrias. De um povo que sabe chorar, mas que também sabe fazer festa.  De namoricos na janela. Cortejos e procissões. Som de pífano, de maracatu, de pisada de pé. E como não podia faltar: água.

O figurino, assinado por Altair Santo, ganha fluidez com a precisão do corte e com o uso de forros leves, como tules coloridos. As cores são neutras, preto, branco e cru, com exceção do figurino vermelho, feito de malha trabalhada com textura de fitas de cetim. Ruptura necessária para evitar o previsível.

No fundo do palco uma cascata brilhante desce do teto até o chão. Uma cachoeira de anéis de garrafa pet, abuso da cenografia que enche os olhos. Estrelas do mesmo material se acendem com um foco de luz. A iluminação é precisa, focos em pontos específicos do palco. Em outros momentos feixes de luz são projetados, nunca revelando o todo. Há sempre uma penumbra envolvendo os movimentos. A trilha sonora é um passeio pelo repertório popular, de um nordeste que se expande além das fronteiras.

O espetáculo pretende fazer uma desconstrução do Nordeste, mostrar seu avesso. Mas o que ele consegue, e de forma muito acertada, é retratar. Um retrato coreografado de jeitos de ser. Sem caricaturas, nem estereótipos. A pretensão não é fazer um tratado sobre o Nordeste, mas mostrar um olhar, um recorte. Direito ou avesso? ‘Reverso’.

quinta-feira, 15 de abril de 2010

Casamento perfeito ou quase isso

Por Michel Oliveira (texto e fotos)

É uma grande ousadia juntar o humor refinado de Machado de Assis, os conflitos psicológicos de Tchekhov e as crises contemporâneas de Eric Bogosian. Atrevimento que, nas mãos de qualquer um, podia ter custado ustar caro. Mas o diretor Celso Jr. conseguiu dominar a situação e junto com o Grupo Caixa Cênica deu formas ao espetáculo Felicidade Conjugal ou Quase Isso. O resultado de tal ousadia: Prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz, pré estréia no Teatro Tobias Barreto, curta temporada no Lourival Batista, apresentações confirmadas em Salvador. 

 Lição de Botânica

No palco Diane Veloso, Leila Magalhães, Frederico Lira, Denver Paraíso e Thiago Marques passeiam da comédia ao drama, falando de amor, dos devaneios, alegrias e tristezas da relação a dois. A abertura com ‘Lição de Botânica’, de Machado de Assis, é um grande acerto. A adaptação consegue fazer o público rir, com personagens carismáticos e situações jocosas, sem cair na graça vulgar. Diane Veloso se mostra madura, com um tempo de comédia bastante acertado. Denver Paraíso e Frederico Lira são o contraponto, regulam a cena com o ar ranzinza.

A Brincadeira

A releitura de ‘A Brincadeira’, de Tchekhov, tráz ao palco a densidade da literatura russa. Há uma ruptura. O riso não é mais o elemento principal. Ruptura necessária, pois mostra ao espectador que ele deve ficar atento. O espetáculo tem mais nuances do que possa aparentar. Leila Magalhães, que interpreta Nádenka, conseguiu captar a complexidade da personagem. Interpretação segura, compromissada, de quem sabe o que está fazendo. 

Um Tempero Mais Amargo

‘Um Tempero Mais Amargo’ de Eric Bogosian, contemporâneo em sua essência, talvez seja o menos compreendido. Muitos se prendem aos palavrões. Porém a cena é mais complexa. O diálogo revela problemas do tempo presente. A descoberta de uma traição de longa data as vésperas do casamento seria um ótimo melodrama, mas as sacadas de humor denotam o cinismo do homem contemporâneo, que aprendeu a rir de suas próprias desgraças. Thiago Marques com um personagem inicialmente passivo, mas que no final revela sua força, mostra um talento jovial a ser explorado.

Mas que seria de um bom roteiro e interpretações seguras sem um conceito estético? O aporte veio do teatro contemporâneo, onde menos é mais. A simplicidade proposital do figurino deixa claro que o foco está nos atores. A releitura das roupas de época, a discreta sensualidade da camisola de Nádenka, o vestido de noiva de Regina e o All Star nos pés se fundem de forma bastante acertada ao contexto proposto. Culpa de Roberto Laplane, também responsável pela maquiagem e pelo cenário, montado com objetos simples que lembram uma mudança no canto da casa. Objetos que podem ganhar outra configuração, como a cadeira que se transforma no trenó que desliza morro abaixo pela gelada montanha da imaginação. 

A iluminação marca de forma bastante discreta as passagens, completando o clima das cenas e ajudando na composição do cenário. A trilha sonora é fluida, aparece quando realmente é necessária. Mas como todo casamento tem algum problema, o cartaz do espetáculo parece está divorciado do resto. É muito posado e artificial. A arte final não é das melhores, com uma olhar nem tão apurado percebe-se que se trata de uma montagem.

É lamentável que a população aracajuana, que tanto reclama da inércia cultural, tenha deixado passar como outro qualquer, um espetáculo de forte senso estético, que apresentou uma proposta que ainda não havia sido experimentada pelas montagens feitas até então. Foram dez apresentações gratuitas, contado com a pré estréia. Quem cometeu o pecado de não ir que pague pra ver, quando o espetáculo voltar das temporadas fora do estado.

segunda-feira, 12 de abril de 2010

Cubos Cia. de Dança se apresenta no Tobias Barreto

 
Nos próximos dias 15 e 16, a Cubos Companhia de Dança comemora seu terceiro ano de existência com a apresentação Cubos ao Cubo. Durante os dois dias serão apresentadas três montagens da companhia: ‘Brincando’ (dia 15, às 20h), ‘Mutipleto’ e ‘Reverso’ (dia 16, às 21h).

Os ingressos estão à venda no stand montado no Shopping Jardins (em frente à loja Insinuante) e custam R$10 (inteira) e R$5 (meia). Quem for ao teatro vai conferir ainda uma mostra fotográfica, com trabalhos de Ítalo Prata, Mirna Garcia e Rosinha Teles. No dia 17, às 9 horas, a companhia ministrará gratuitamente uma oficina de dança contemporânea, as inscrições acontecem no stand de vendas.

Histórico

A Cubos Cia. de Dança nasceu em Aracaju, no ano de 2007, com a montagem do espetáculo ‘As quatro estações de um ser’. Atualmente é composta por Rodolpho Sandes, Isabele Ribeiro, Julia Delmondes, July Ellen Lázaro e Viviane Gonzaga, bailarinos com formação diversificada, o que confere variedade a companhia e singularidade aos espetáculos.

Em três anos de trabalhos ininterruptos a Cubos já fez mais de 30 apresentações oficiais, algumas delas fora do estado.  Em 2008 a companhia foi contemplada com o Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna, pela montagem do espetáculo ‘Reverso’. 

domingo, 11 de abril de 2010

A humanidade da arte

“Quem cria é Deus; a arte é invenção”, afirma Celso

Por Leandro Santolli
Foto: arquivo pessoal

O [Síncope] entrevista o ator e diretor Celso Jr., bacharel em Artes Cênicas, mestre em Letras e Lingüística e professor do Núcleo de Teatro da Universidade Federal de Sergipe. Nascido no Rio Grande do Sul, viajou pelo país, mudou-se para Salvador nos anos 80, onde iniciou sua carreira artística. É o diretor do espetáculo ‘Felicidade Conjugal ou Quase Isso’, um dos contemplados com o prêmio Funarte de Teatro Myriam Muniz, em cartaz no teatro Lourival Batista até o dia 14.

[Síncope] - O que você acha da proposta do blog?

Celso Jr. - “É uma iniciativa muito importante . Só discordo de uma coisa, não acredito que haja uma ‘essência’, um ‘âmago’ em nenhuma forma de arte. É como se o artista possuísse uma chave para a compreensão de sua obra, e que a função da crítica fosse tentar descobrir e desvendá-la. Eu discordo disso, a arte é um caminho de mão dupla: quem a constrói tem tanto poder de desvendá-la quanto quem a frui, inclusive porque não há nada a ser desvendado. Essa ilusão de ‘profundidade’ reside no discurso que se constrói sobre a arte e não na arte em si”.

[S] - Os próprios artistas criam esta situação quando afirmam: “a essência do meu trabalho está em”; “consiste em”?

C. Jr. - “Alguns destroem isso. Veja Renée Magritte, a frase: ‘Isso não é um cachimbo’ numa pintura de um cachimbo é reveladora dessa quebra de discurso. Os artistas que dizem que sua obra possui uma essência estão se apegando, desesperadamente, a uma noção de que o artista é um ser superior ao resto da humanidade. A própria utilização da palavra ‘criar’, para se referir a uma obra de arte, remete a algo divino. Quem cria é Deus; a arte é invenção. Fiquei pasmo quando uma repórter daqui me perguntou: ‘Qual a mensagem da peça? ’. Minha peça não é telegrama. Não traz nenhuma mensagem!”

[S] - Esse tipo de pergunta ainda é comum?

C. Jr. - “Só se for aqui em Aracaju. Há muito tempo que não se pergunta esse tipo de coisa em outros lugares”

[S] - E o que você respondeu?

C. Jr. - “Que a peça não tem mensagem. Ela discute alguns temas, mas que não traz uma resposta. O público é quem vai ter de pensar e procurar respostas. Se quiser respostas...”.

[S] - Por aqui existe uma idéia aqui de que toda peça tem de ter algo a ser contado e que seja muito claro. A idéia é fazer o publico não pensar, não ter uma reflexão. Engolir qualquer coisa, de qualquer forma e achar bom, bacana, "legal". Qual seu posicionamento frente a essa situação?

C. Jr. - “Se eu puder ajudar a desconstruir isso, ótimo. Eu proponho uma arte que dialogue com o público. Eu vi artistas várias vezes indagando-se sobre ‘o que é uma criação’, quando na verdade a indagação deveria ser  ‘o que é a invenção artística’. Como já disse quem cria é Deus.

[S] - Então você discorda da frase "nós criamos este espetáculo”?

C. Jr. - “No discurso coloquial não tem problema. Mas eu prefiro: ‘Nós produzimos este espetáculo’”.

[S]- Atualmente, o campo da performance artística se transformou em terra de ninguém, salvo raras exceções. Funciona mais ou menos assim: se faz pouco sentido, acontece em local alternativo, não tem ensaio, nem efeito, trata-se de performance, e o pior: quem faz acredita piamente na ‘essência artística’. Performance te agrada ?

C. Jr. – “A performance me interessa muito, mas não no domínio do teatro. Teatro é teatro; performance é performance, tem mais ligações estéticas com as artes plásticas. . Mas não se pode jogar tudo no lixo, tem muita coisa interessante, no campo da performance”

sábado, 10 de abril de 2010

Uma pausa ao ordinário

Por Leandro Santolli e Michel Oliveira

Não existe arte sem crítica. Isso é um fato. O maior pressuposto da arte é o incomodo interior. Passamos de fase. A arte não tem mais a função de trazer conforto, pelo contrário. As produções contemporâneas têm se debruçado sobre o que traz rupturas. Procura novos caminhos e rumos.

Sempre se ouve queixas da inércia cultural de nosso estado. Situação que em partes é verdade, uma vez que as produções locais ainda são abafadas pelo que vem de fora. Mas, há produções locais de qualidade? Temos realmente artistas que mereçam destaque? Sergipe tem público consumidor para a arte? Só com um olhar crítico podemos encontras as repostas.

Seria uma ousadia dois estudantes, um de jornalismo e outro de teatro, criar um blog de crítica? A resposta fica para os leitores. A crítica é inerente à produção da cultura, uma vez que a própria arte é uma forma de crítica.

O [Síncope] é o único blog voltado para a crítica de arte no Estado de Sergipe, e isso  traz uma responsabilidade imensa. Queremos que os leitores encontrem por aqui uma crítica pautada, uma análise das produções artísticas, uma fuga do ordinário que tomou conta dos jornais e revistas.

O crítico contemporâneo precisa aceitar os desafios que as novas perspectivas da arte trouxeram. A idéia é justamente esta, dialogar com os criadores, compreender os processos, fragmentar até chegar à essência. Só assim evitaremos o risco de confundir uma vanguarda com modismo e enaltecer modismos como novidade.

Este espaço está aberto. Esperamos comentários, sugestões e, obviamente, críticas. Entre em contato através do email: blogsincope@gmail.com.