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sábado, 2 de abril de 2011

Dê seus pulos !



Por Leandro Santolli
Foto : Amigos Elyte

A Cabriola Cia. De Teatro , estréia sua 6º produção , com o espetáculo ‘O pulo do gato’ , trilogia de comédias que iniciou com ‘ o que é que há com nós dois’ e continuou com ‘ o que é que há com nós dois , mais uma vez ‘ com foco em conquista e convivência respectivamente . Ultimo espetáculo desta trilogia aborda a separação ou possível recomeço , partindo da visão masculina .

Não seria ofensivo dizer que O pulo do gato , é um samba do crioulo doido, para não dizer caos. Existe uma boa idéia, infelizmente expressa em ações que não se completam a razão de existir da peça. Talvez esmiuçando a peça seja mais fácil seu entendimento, ao contrário é difícil dar um parecer sobre o que é exposto ao publico.

O ator, diretor e autor do espetáculo entra em cena numa discussão, onde de imediato já fica notória a falta de ação,visto ser um momento caloroso da ‘briga’, e a dicção demasiadamente marcada, com cada virgula no seu lugar, uma verdadeira sabatina. Entre um texto e outro , o espetáculo vai sendo conduzido por canções entoadas pelo ator, além algumas coreografias desnecessárias . As canções chatas e mal executadas começam a ser um tormento , a cada vez que o ator indiciava cantar, a platéia já se remexia na cadeira, olhava para o relógio e como se não bastasse , uma nuvem de gelo seco, muito gelo seco, muito ... (faz sentido?) É totalmente aceitável que o ator queira dançar, sapatear, chorar ... desde que este tenha domínio do que se faz ,no caso em questão falta um amadurecimento vocal , e isto transforma o que poderia ser um ‘achado’ do espetáculo num momento de terror.

O texto tende a ser machista , e isto é aceitável , estranho seria imaginar que o mesmo fosse defender um ponto de vista bem ‘mocinha’. Contudo o texto na tentativa de soar engraçado e agradável, vai caindo para piadas velhas, sem graça alguma e que converge quase que em sua totalidade para sexo e afins , o ator então quebra a 4º parede e fica sempre neste jogo de ‘ vou contar uma piada , riam ‘. Um show de variedade humorística, ou seja, ser uma descarga de piadas, paródias musicais e situações de humor escrachado com o objetivo de gerar um acontecimento de entretenimento “popular”. De modo que as situações e o desenrolar de trama no espetáculo tornam-se apenas pretexto para o desbunde. A situação serve ao humor e não o contrário. Isto é, o desenrolar da peça é reduzido a uma justificativa para o show cômico-trash .

Celso Júnior em uma determinada crítica em seu blog (http://tinyurl.com/ya9fweo) cita : “Surpreendentemente, o público respondia às gargalhadas. Talvez por ignorar as possibilidades perdidas que o texto oferece, se contentando com o humor raso .Mas não se pode esperar muito do público que foi educado - e mal educado - para isto .” Eu diria ainda que o publico muitas vezes ri, pra fazer valer o valor do ingresso , na pior das hipóteses.

A iluminação trava uma batalha com o ator, compromete o espetáculo, não cria , não faz as vezes de pintar o espetáculo, ou de trazer algo de bonito ao mesmo, o mesmo refere-se a trilha sonora mal resolvida e por vezes inaudível pela baixa qualidade, bem como num off , onde o personagem fala ao tefefone com um suposto amigo ‘Carlão’ , o áudio é tão ruim que a voz é facilmente confundida com uma voz feminina , podia ser descartado inclusive . Vale salientar ainda que as pausas são bem rápidas, o que nos faz entender que o personagem pensa pouco, ou não pensa nada.

Figurino casual, mas aparentemente não existe um estudo sobre ele, ou se existe é necessário uma análise mais profunda, afinal o ator desde inicio do espetáculo até o final , tira e põe o blazer 7 vezes , é chato, é cansativo, é angustiante. Se existe uma mala em cena, entende-se que o ator tem onde guardar o tal pertence , porém a mala é usada no início da peça para pegar algum objeto (se não me falha a memória , o blazer), e depois disso apenas para pegar um cigarro . (Eu guardo o cigarro no bolso, na mala é trabalho demais para mim ) A mala fica sem uso durante quase todo o espetáculo , e até nas saídas repentinas em que o personagem diz ir embora a mala fica, inclusive o espetáculo termina , o personagem vai embora e a mala continua lá ... imponente, linda, atuante ! podia estar na coxia, em casa, ou no ponto de venda, mas preferiu estar lá.

O espetáculo com duração de aprox. de 50 minutos termina com mais musica, mais coreografia, mais gelo seco e como se ainda faltasse algo, ganhamos uma chuva de bolinhas de sabão (oi?)

“se você não está contra eles, você está colaborando com eles”

Talvez esta seja a sina de todo artista, ontem e hoje.

O espetáculo foi assistido no dia 25 de março em Alagoinhas-BA , no Centro de Cultura e Arte | Fez parte da programação do Festival Arte para todos , do qual a Blog Síncope participou como convidado

O poder esmiuçado em gestos



Por Leandro Santolli
Foto : Alex Hermes

Ato - Grupo Magiluth / Recife -PE

O chão é quente, mas quem tem poder tem bons sapatos. Desde esse início já está dito claramente à platéia, por meio dos sapatos e suas solas, que há ali uma hierarquia naturalmente respeitada, naturalmente mantida. Desde esse início já não se usam palavras para dizer esse tipo de coisa.

Outros signos óbvios aparecem: a coleira, o plano mais alto que obriga o subordinado a olhar para cima e, conseqüentemente, a sentir-se menor, os chiliques de quem tem o poder, o distanciamento forçado, a possibilidade de sentar-se, o tamanho das malas.

É a partir deste panorama inicial, construído por quatro personagens clownescos, que o grupo nos convida a ir mais longe nesta experiência bem humorada, que tem uma forma de expressão leve, mas é crítica e profunda nas contradições que releva.

Quando os 4 personagens começam a se relacionar entre si, desenham-se, a meu ver, três sutilezas da construção e manutenção do autoritarismo e da exploração. A primeira é a característica do poder autoritário de se transferir de “escalão” para “escalão”, aproveitando-se da mágoa misturada ao orgulho e à ambição. Assim, se alguém grita comigo de cima, grito eu com quem por azar esteja logo abaixo e desse modo me sinto aliviado transferindo a humilhação. E, claro, me sinto poderoso, mesmo que as ordens professadas não tenham partido de uma demanda ou de um desejo meu. O prazer ou obrigação do cumprimento de ordens superiores traduzido na sensação de eficiência ou de “dever cumprido” aliado ao deleite ou status de dar ordens, ainda que não me tragam qualquer benefício, fazem a roda do poder girar sem que os oprimidos se sintam verdadeiramente incomodados, uma vez que é possível descontar a opressão oprimindo.

O segundo e ainda mais cruel pormenor de um sistema que se sustenta na exploração está no fato de que o oprimido é quem cria/ produz os bens que dão ao opressor seu bem-estar, seu destaque social e suas vantagens diante dos demais. Ao que cria/ produz resta a função de continuar atribuindo valor ao que foi produzido, à medida em que deseja aquilo para si. Já dizia aquele barbudo que não é nem Deus, nem Papai Noel, nem o mago Merlin nem Paulo Freire… alienação do trabalho e da produção.

Finalmente, outra tática discreta e eficaz de manutenção das posições no tabuleiro é a desmobilização: quem está no poder se entende e se articula muito bem, pois tem objetivos claros e simples em comum (não está dito na peça mas eu me arrisco a dizer que no caso da nossa sociedade esse objetivo comum simples e claro é o lucro), enquanto quem é explorado não se entende, caminha para sentidos opostos e muitas vezes reproduz a estrutura de poder com seu colega de exploração. E, quando, por milagre divino (ou do outro barbudo mexendo seus pauzinhos lá do outro plano), os explorados se aproximam e esboçam uma união, os poderosos logo conseguem reestabelecer a competição entre eles, arma infalível para colocar um contra o outro e afastar qualquer perigo de mudança.

Tudo isso o grupo coloca em cena, sem precisar – como eu precisei – desse monte de palavras. As metáforas que levam a essas conclusões são jogos simples entre os quatro personagens, sempre em torno de bens que representam qualquer tipo de propriedade que tenhamos e de interações que representam nossas tentativas de união ou mesmo de proximidade carinhosa. Alguns ruídos, alguns objetos muito bobos, algumas malas, garrafas de água (cachaça?), sapatos e um jornal. E, pronto, a estrutura se revela. E, ainda que contraditoriamente a tese do grupo seja extremamente pessimista com relação à manutenção da estrutura de poder, ao revelar seu funcionamento, os artistas começam a botar lenha na fogueira em que ela poderá – quem sabe um dia – queimar e, enfim, transformar-se.

4 solas de sapato diferentes

terça-feira, 29 de março de 2011

Descortinando o Véu


Por Leandro Santolli
Foto : Alessandra Nohvais


Há pelo menos um século o estatuto da obra de arte vem sendo vertiginosamente modificado e, ao que parece, se alargado ao encontro dos territórios mais banais, diversos e controvertidos (alguns, inclusive, nada estéticos) da vida cotidiana. Tudo indica que a arte, como nenhum outro campo da cultura, constitui uma espécie de buraco negro em incessante expansão, sendo capaz de se alimentar de tudo aquilo que, ao longo de sua labiríntica trajetória, tenta negá-la ou destruí-la. Basta recorrer a exemplos implacáveis como os de Antonin Artaud, John Cage, Alan Kaprow, Andy Warhol (todos hoje, venerados) e, claro, o bom e velho Marcel Duchamp, cujo gesto meramente chistoso de inscrever um simples urinol de porcelana na exposição da Society of Independent Artists, de Nova Iorque, em 1917, o rende até hoje o título de gênio.

Um dos maiores legados deixados pelas vanguardas artísticas e, especialmente, pelas experiências performativas que começam a se proliferar por todo o mundo a partir dos anos 60, foi a dessacralização do objeto de arte. Esse movimento, mais ou menos organizado, no Brasil, contou com o reforço do neoconcretismo e os seus não-objetos, bem como de diversos artistas performáticos e de um certo teatro disposto a quebrar a distância entre os corpos e o fio racionalista. Desde então, o degelo desta aura protetora da obra de arte, lentamente, vem deixando o público cada vez mais à vontade para tocar, trocar, experimentar, inter-agir. O artista, com isso, passa a habitar um outro lugar, acessível em pleno voo, deixando de ser aquele gênio da razão transcendental, ao qual só devemos aplausos, no final, para não atrapalhar.

Entretanto, nesse contexto de densa ressignificação da obra de arte e, especificamente, do teatro (já apelidado de “pós-dramático”), ainda se espera, em geral, de um ator em cima do palco, que nos conte uma história inteligível em sua totalidade, previamente escrita, de preferência tendo um final memorável; e que faça isso interpretando um ou mais personagens que, claro, defiram visivelmente de si, e cujas indagações não devem ser respondidas (ao menos não em voz alta!) por nós, espectadores. Véu , uma poética do só , com texto e direção de Luiz Antônio Junior , é a materialização de uma verdadeira obra de arte com todos os ingredientes fundamentais expostos. O espetáculo nos remete a uma reflexão do universo feminino, partindo da violência contra a mulher , seja sexual, física, moral, psicológica, como uma colcha de retalhos, onde o ator-criador vai costurando personagens, situações fictícias ou não , musica e informações, e o faz de maneira singular. A narrativa que traz a tona uma realidade velada nos direciona a uma reflexão profunda sobre a mulher ‘vítima e culpada’, mulheres outrora escondidas pelo medo, pela vergonha, pelo desamor, e como o próprio diz ‘ escondidas no véu da vergonha’.

Olhar um ator em cena é ver suas máscaras e também o homem ocultado pela personagem. E Luiz Antonio com seu coração e suas máscaras se impõe em cena, mostrando que para estar na vida é preciso viver. Véu não é uma criação genesíaca. Trata-se de um espetáculo que faz parte de uma tradição de arte contemporânea que põe os explicadores (exegetas, como gostam de dizer na academia) em desordem e expulsa sumariamente os juízes de carteirinha. Luiz sente esse trabalho em diversos níveis de composição de atuação, as linhas entre verdade/mentira e ator/personagem são mínimas. Nesse campo, dialoga inclusive com o cinema de Eduardo Coutinho, onde a realidade e a ficção se misturam e se confundem, é notório e intensifica um suposto desejo em 'experimentar no teatro'. Véu parece ainda mixar gêneros diferentes, aproximando a estrutura de um monólogo a um reality show interativo, em que o público participa, e é estimulado, desde o início. Não se trata de uma exortação agressiva, e CHATA, como muitos dos espetáculos da década de 1960 e de 1970 que ainda fazem eco em algumas produções artísticas contemporâneas. O público não se sente constrangido pelo, performer/ator que se encontra em cena. Aliás, essa experiência direta com o público é um dos pontos altos do espetáculo, o qual foge a rótulos classificatórios (“gênero nenhum me pega mais”, já dizia Clarice).

É um trabalho que baseia experiência teatral numa ambiência particular. E Luiz em meio a este turbilhão de pensamentos, possibilidades, reflexões, continua lá organicamente na cena, faz de si mesmo uma obra de arte; mostra-se humanamente falho e por isso encantadoramente uma obra prima.

O espetáculo foi assistido no dia 26 de março em Alagoinhas-BA , no Centro de Cultura e Arte | Fez parte da programação do Festival Arte para todos , do qual a Blog Síncope participou como convidado